FALANDO SÉRIO SOBRE

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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O NATAL DOS SEM-ÁLCOOL

CRISTIANE SEGATTO
Pela inclusão social dos que não bebem

Repórter Especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo


Festas de fim de ano são uma prova de fogo para quem não bebe. É tempo de amigo-secreto, confraternização da firma, encontro dos formandos da turma de 1900 e bolinha, ceia de Natal, farra de Reveillon. Tudo obrigatoriamente regado a álcool. Quem não bebe (seja lá por qual motivo) precisa demonstrar um talento inabalável para a diplomacia. É preciso muito jogo de cintura para contornar a avacalhação geral sem perder a pose. Ninguém se toca que o colega sóbrio não bebe porque toma anti depressivo. Ou anticonvulsivante. Ou outro remédio qualquer que não pode ser misturado ao álcool. Ou não bebe porque, simplesmente, é um alcoólatra em recuperação.


Na nossa sociedade, é difícil aceitar uma pessoa que não bebe. Não beber é como uma ofensa”, diz o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, presidente-executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA). “Quem não é alcoólatra tem dificuldade para enfrentar essa pressão social. Imagine o que acontece com os que são alcoólatras”, afirma. Cerca de 19 milhões de brasileiros sofrem de dependência ou abuso de álcool. Abuso significa uso com problemas. São as pessoas que bebem e chegam atrasadas ao trabalho e etc. Até que elas decidam se tratar, vivem um teatro. Tentam enganar a si mesmas e aos que estão ao redor com a ilusão do auto-controle. Quase todas as manhãs observo de longe um velhinho que vive algo assim. Ele encosta no balcão da padaria e o funcionário pergunta:


– O de sempre?


– O de sempre.


O rapaz entorna a pinga até preencher a metade de um copo americano. Coloca o copo sobre o balcão e,

ao lado dele, uma garrafa de soda limonada. Aos poucos, o velhinho vai misturando os dois líquidos transparentes. Quem para no balcão para comer o pão com manteiga de todos os dias reconhece o freguês da “soda limonada”.


Ele tem olhos tristes, cabelos brancos, corpo frágil. Fico me perguntando se algum dia tentou se tratar. Ou se ainda não se deu conta de que é dependente. Dedico essa coluna de Natal a todos os dependentes que tiveram a coragem de assumir o problema e de persistir no tratamento. Festas de fim de ano podem ser momentos difíceis mas em recuperação superaremos natal e tempo de encontro com Deus.



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